segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Sobre a poesia

Poesia é complicação, é doença da linguagem, é desvio da sua principal função, que será comunicar. Só o poeta fica na linguagem, os outros passam por ela, servem-se dela.
Ruy Belo. In Na senda da poesia. 1ª edição: 1969.


A poesia é a abertura nua que não se pode delimitar, a intimidade mais pura e mais selvagem de algo que não podemos traduzir ou determinar segundo os esquemas da compreensão racionalizante. Todavia, o poema não é um enigma. Ele é evidente na sua obscuridade ou na sua claridade ofuscante. O poema é uma manifestação da origem, ou, por outras palavras, da Vida absoluta, e por isso mesmo é um mistério real. O leitor, tal como o poeta, é um cego que não tem outra luz além daquela que o poema projecta sobre si.
António Ramos Rosa. In A Parede azul – estudos sobre poesia e artes plásticas. 1ª edição: 1991.


A poesia é das raras actividades humanas que, no tempo actual, tentam salvar uma certa espiritualidade. A poesia não é uma espécie de religião, mas não há poeta, crente ou descrente, que não escreva para a salvação da sua alma - quer a essa alma se chame amor, liberdade, dignidade ou beleza.
Sophia de Mello Breyner Andresen. Entrevista ao JL, 12/97.


Compreender a poesia é olhá-la sem a tentação de lhe perguntar nada. É aceitar o núcleo de silêncio donde todas as formas se destacam. A obra vale pela densidade de silêncio que impõe. Por isso os poetas que imaginam dizer tudo são tão vãos como as estátuas gesticulantes.
Eduardo Lourenço. In Tempo e poesia. 1ª edição: 1974.


Um francês em cada dois, parece, não lê; metade da França está privada – se priva do prazer do texto. Ora, nunca se deplora essa desgraça nacional a não ser de um ponto de vista humanista, como se, recusando o livro, os franceses renunciassem somente a um bem moral, a um valor nobre. Seria preferível fazer a sombria, estúpida, trágica história de todos os prazeres aos quais as sociedades objetam ou renunciam: há um obscurantismo do prazer.
Mesmo se repusermos o prazer do texto no campo de sua teoria e não no de sua sociologia (o que arrasta aqui a uma discussão particular, aparentemente desprovida de qualquer alcance nacional ou social), é efetivamente uma alienação política que está em causa: a perempção do prazer (e mais ainda da fruição) em uma sociedade trabalhada por duas morais: uma majoritária, da vulgaridade, outra, grupuscular, do rigor (político e/ ou cientifico). Dir-se-ia que a idéia do prazer já não lisonjeia ninguém. Nossa sociedade parece ao mesmo tempo calma e violenta; de toda maneira: frígida.
Roland Barthes. In O prazer do texto. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. (1ª edição francesa: 1973)

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