segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Sobre o romance

O que distingue o romance de todas as outras formas de prosa – contos de fada, lendas, (...) – é que ele nem procede da tradição oral nem a alimenta. O romancista segrega-se. A origem do romance é o indivíduo isolado, que não pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupações mais importantes e que não recebe conselhos nem sabe dá-los.
Walter Benjamin. In Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994.


Ao considerarmos o romance e a épica, somos tentados a pensar que a diferença principal está na diferença entre verso e prosa, entre cantar algo e enunciar algo. Mas acho que há outra maior. A diferença está no fato de que o importante na épica é o herói – um homem que é modelo para todos os homens. Ao passo que a essência da maioria dos romances, como salientou Mencken, reside na aniquilação de um homem, na degeneração do caráter.
Jorge Luis Borges. In Esse ofício do verso. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.


A análise de um romance – o “literário” por excelência, a partir do século XIX – mostra que (...) o estilo romanesco consiste em um compromisso do romancista com dois usos idiomáticos peculiares: o cientifico (creio melhor qualificar de enunciativo o uso cientifico, lógico, se quiserem do idioma) e o poético.
Rigorosamente falando, não existe linguagem romanesca pura, posto que não existe romance puro. O romance é um monstro, um desses monstros que o homem aceita, alenta, mantém ao seu lado; mistura de heterogeneidades, grifo convertido em animal doméstico.
Julio Cortázar. In Obra crítica, v. 1. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1998.


O romance é uma massa formidável e (...) amorfa, (...) uma das áreas mais úmidas da literatura – irrigada por uma centena de riachos, degenerando-se ocasionalmente num pântano. Não me admira que os poetas desprezem-no, embora algumas vezes encontrem-se nele por acidente.
Edward M. Forster. In Aspectos do romance. São Paulo: Globo, 1998.


O ponto de partida de todo romance é o presente da escrita, e o que transporta o texto narrativo são as pautas sensoriais, emocionais, intelectuais desse presente e nada mais, seja qual for a época passada, presente ou futura que a narrativa escolha para instalar sua ficção. De modo que um romance escrito hoje em dia e que transcorra na Idade Média é somente a projeção de um indivíduo atual numa fantasmagoria que ele confunde com a Idade Média, e à qual seria tão inoportuno aplicar o epíteto de ‘histórica’ como a um baile de máscaras.
Juan José Saer. In “História e romance, política e polícia”, Folha de São Paulo, 24/12/2000.


Um francês em cada dois, parece, não lê; metade da França está privada – se priva do prazer do texto. Ora, nunca se deplora essa desgraça nacional a não ser de um ponto de vista humanista, como se, recusando o livro, os franceses renunciassem somente a um bem moral, a um valor nobre. Seria preferível fazer a sombria, estúpida, trágica história de todos os prazeres aos quais as sociedades objetam ou renunciam: há um obscurantismo do prazer.
Mesmo se repusermos o prazer do texto no campo de sua teoria e não no de sua sociologia (o que arrasta aqui a uma discussão particular, aparentemente desprovida de qualquer alcance nacional ou social), é efetivamente uma alienação política que está em causa: a perempção do prazer (e mais ainda da fruição) em uma sociedade trabalhada por duas morais: uma majoritária, da vulgaridade, outra, grupuscular, do rigor (político e/ ou cientifico). Dir-se-ia que a idéia do prazer já não lisonjeia ninguém. Nossa sociedade parece ao mesmo tempo calma e violenta; de toda maneira: frígida.
Roland Barthes. In O prazer do texto. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. (1ª edição francesa: 1973)

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